Um
dos mais belos poemas de amor de todos os tempos foi escrito pelo poeta
português Luis de Camões e inicia dizendo: O
amor é fogo que arde sem se ver. Se o amor é fogo, isto nos leva a pensar: Que tipo de fogo é o amor? Embora o fogo
seja sempre fogo em qualquer lugar do universo, ele não serve sempre aos mesmos
propósitos. O fogo se manifesta de várias formas, por vários motivos e traz
várias e diferentes conseqüências. Se o amor é fogo, eu quero saber que tipo de
fogo é o amor.
Creio
que para comparar o amor com o fogo é preciso compreender os vários propósitos
à que o fogo serve. Em primeiro lugar, o mais óbvio de tudo, o fogo queima. Se o amor é fogo, ele é
capaz de queimar. E quem já não se queimou nas chamas ardentes do amor? Quando
nos apaixonamos, sentimos o amor arder dentro de nós, nos queimando por dentro.
Talvez seja por esse motivo que o nosso coração dói de saudade da pessoa amada,
de emoção cada vez que a encontramos, de alegria pelos seus beijos doces, de
euforia pela sua simples existência. O amor queima e nos faz entender que
estamos vivos, que estamos prontos a nos entregar de corpo e alma ao ser amado.
E como fogo que queima, o amor deixar marcas, às vezes cicatrizes.
E
como fogo, o amor aquece. Nas noites
mais frias do inverno da nossa alma, o amor é como uma chama viva a arder na
nossa vida, aquecendo o nosso sentir e o nosso pensar. Nas madrugadas da nossas
existência, o amor nos mantém aquecidos para que não morramos de frio, nos
aconchega em seus braços, nos cobre com as suas plumas. Maravilhoso é sentir a
alma aquecida, saber que lá fora pode estar nevando, mas dentro de nós o amor
nos mantém aquecidos, a nossa temperatura alta. Aqueles que não amam são frios,
os seus corações parecem um bloco de gelo oco, são incapazes de atos
solidários, de se entregar a alguém, se sentir carinho, de perdoar. Quem não é
aquecido pela chama do amor, provavelmente é congelado pelas geleiras do
egoísmo, da inveja, da solidão.
Outra
função do fogo é iluminar. Em tempos
idos o fogo era usado para manter as ruas e as casas sempre iluminadas. Hoje
temos lâmpadas elétricas e não precisamos tanto do fogo para não ficarmos nas
trevas. Mas esta é uma das características do fogo: ele ilumina. E se o amor é
fogo, deve também nos iluminar. Enquanto não somos encontrados e conquistados
pelo amor, estamos caminhando na escuridão. Os nossos passos se perdem, as
nossas palavras se confundem, os nossos atos são escusos. Longe do amor é como
se estivéssemos vivendo numa caverna escura e sombria, cercados de paredes
escorregadias e pisando em chão lamacento. Mas quando o amor nos ilumina,
quando ele irradia na nossa vida, os nossos olhos são abertos e os nossos
passos são firmados. Todo o nosso interior é iluminado pelo amor. E o que é
mais importante: passamos a enxergar as pessoas ao nosso redor. Tendo o fogo do
amor brilhando em nós, iremos refletir esse brilho no mundo, transformando tudo
a nossa volta.
Como
fogo que é, o amor consome. Quando
uma faísca de fogo é acesa em uma pequena parte de uma mata seca, a tendência
é, com a ajuda do vento, essa faísca se transformar em fogo e esse fogo
consumir rapidamente tudo onde passar. Se não apagado a tempo, esse fogo pode
causar grandes catástrofes. Mas não vamos pensar dessa forma com relação ao
amor, porque do amor não pode vier catástrofe alguma, mas somente aquilo que é
bom, perfeito e agradável. Mas não é mentira que, como o fogo, o amor consome.
Ele consome tempo para se consolidar em nós; consome, às vezes, a nossa
paciência; consome nossas reservas, nossas barricadas emocionais, nossas
limitações. O mais importante de tudo: quando aceso em nós, o fogo do amor
consome o ódio, a indiferença, a amargura, a arrogância, o preconceito, a
inveja, a ganância, a discórdia e tantas outras ervas daminhas que habitam
dentro de nós. O amor é fogo consumidor!
Por
queimar e consumir, o amor também apura. Quando
eu era adolescente e morava na casa de um tio meu no interior, eu sempre o
observava enquanto ele negociava ouro. Os garimpeiros traziam o ouro para ser
vendido, ele pegava aquela poeira de ouro misturada à impurezas, colocava num
recipiente, misturava mercúrio e depois, com um maçarico, queimava o mercúrio até
evaporar, para que o ouro aparecesse separado da sujeira. É isso que o amor faz
conosco. Como o fogo de um maçarico, ele nos pega e vai queimando o nosso ser
até que fiquemos puros. Quanto mais quente fogo, mais seremos apurados. Podemos
pensar naquelas pessoas que rejeitam o sofrimento, que acham que podem viver
numa mar de rosas sem espinhos, passar pela vida sem lutas, sem provações. Sem
o fogo apurador do amor, não crescemos, não nos tornamos pessoas melhores. O
amor nos apura, nos separa das nossas impurezas e nos torna perfeitos,
reluzentes. Sem esse fogo apurador do amor, estaremos sempre misturados às
nossas mazelas existenciais. Quanto mais apurados, mais valiosos seremos.
O
fogo do amor que apura, que nos separa das nossas impurezas – e das impurezas
do mundo – é o mesmo fogo que nos molda. Após
ser apurado, o ouro ainda precisa ser moldado até se transformar num objeto de
valor, algo bonito que encantará as pessoas. Nesse processo de moldura, o fogo
tem um papel crucial. Muitas pessoa se deixam moldar por sentimentos
destrutivos, pelo poder, por uma hedonista, pelos vícios, pelo consumismo,
pelos modismos da sociedade, pelo seu próprio ego, pela violência. Mas quantos
permitem que o amor seja o fogo a moldar a sua vida, o seu caráter? Quantos
aceitam entrar na fornalha, enfrentar o martelo do ourives, suportar momentos
de pressão, de luta em nome de algo maior? Somente o amor pode moldar o nosso
caráter para transformá-lo em um jóia preciosa e reluzente. Somente moldados
pelo amor poderemos amar a nós mesmos e ao nosso próximo. Moldados pelo amor,
saberemos compreender as pessoas e o ser amados, aceitar suas limitações,
perdoar e pedir perdão, dialogar e nos solidarizar com as agruras alheias.
O
fogo representa também um sinal. Se
estamos perdidos numa ilha, nada melhor que acender uma grande fogueira para
chamar a atenção de embarcações ou aviões que por ventura estejam passando por
ali. Quando o fogo do amor está em nós ele deixa um sinal, algo que todas as
pessoas olharão e verão sem sequer mostrarmos. O sinal do amor produz em nós:
alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
domínio próprio. Estes frutos do sinal do amor são antagônicos àquilo que de
mais perverso habita em nós, no nosso ser. Marcados pelo sinal do amor, nos
tornamos novas pessoas, com padrões morais elevados, com sentimentos
altruístas, solidários, dedicados, piedosos. Se quisermos saber se alguém nos
ama de fato, basta buscarmos esses sinais. Se eles estão presentes, se o amor
que diz sentir não vem acompanhado de vanglória, de mesquinhez e demagogia,
então é amor verdadeiro.
Bem,
se o amor é fogo que arde, talvez devamos entender mais desse fogo do amor. E
talvez eu deva discordar, com todo respeito, da palavra do poeta, porque quando
o fogo do amor começa a arder, é impossível não enxergá-lo. Claro que vemos o
fogo do amor, porque ele a tudo transforma. É tão fácil ver o amor agir quanto
o ódio. Todavia, infelizmente muitas atitudes que deveriam ser fruto do fogo do
amor nas pessoas, na verdade são atos de criaturas que acham que por praticar
esses frutos, amam. Não praticamos as obras do amor para amar, mas amamos para
praticar as obras do amor. Nas palavras do apóstolo Paulo: “E ainda que eu
distribua todos os meus bens entre os pobres e entregue o meu próprio corpo
para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1 Coríntios
13:3).
É,
pode ser que o fogo do nosso amor não seja natural, mas artificial.