sexta-feira, 17 de agosto de 2012

o amor é fogo


            Um dos mais belos poemas de amor de todos os tempos foi escrito pelo poeta português Luis de Camões e inicia dizendo: O amor é fogo que arde sem se ver. Se o amor é fogo, isto nos leva a pensar: Que tipo de fogo é o amor? Embora o fogo seja sempre fogo em qualquer lugar do universo, ele não serve sempre aos mesmos propósitos. O fogo se manifesta de várias formas, por vários motivos e traz várias e diferentes conseqüências. Se o amor é fogo, eu quero saber que tipo de fogo é o amor.
            Creio que para comparar o amor com o fogo é preciso compreender os vários propósitos à que o fogo serve. Em primeiro lugar, o mais óbvio de tudo, o fogo queima. Se o amor é fogo, ele é capaz de queimar. E quem já não se queimou nas chamas ardentes do amor? Quando nos apaixonamos, sentimos o amor arder dentro de nós, nos queimando por dentro. Talvez seja por esse motivo que o nosso coração dói de saudade da pessoa amada, de emoção cada vez que a encontramos, de alegria pelos seus beijos doces, de euforia pela sua simples existência. O amor queima e nos faz entender que estamos vivos, que estamos prontos a nos entregar de corpo e alma ao ser amado. E como fogo que queima, o amor deixar marcas, às vezes cicatrizes.
            E como fogo, o amor aquece. Nas noites mais frias do inverno da nossa alma, o amor é como uma chama viva a arder na nossa vida, aquecendo o nosso sentir e o nosso pensar. Nas madrugadas da nossas existência, o amor nos mantém aquecidos para que não morramos de frio, nos aconchega em seus braços, nos cobre com as suas plumas. Maravilhoso é sentir a alma aquecida, saber que lá fora pode estar nevando, mas dentro de nós o amor nos mantém aquecidos, a nossa temperatura alta. Aqueles que não amam são frios, os seus corações parecem um bloco de gelo oco, são incapazes de atos solidários, de se entregar a alguém, se sentir carinho, de perdoar. Quem não é aquecido pela chama do amor, provavelmente é congelado pelas geleiras do egoísmo, da inveja, da solidão.
            Outra função do fogo é iluminar. Em tempos idos o fogo era usado para manter as ruas e as casas sempre iluminadas. Hoje temos lâmpadas elétricas e não precisamos tanto do fogo para não ficarmos nas trevas. Mas esta é uma das características do fogo: ele ilumina. E se o amor é fogo, deve também nos iluminar. Enquanto não somos encontrados e conquistados pelo amor, estamos caminhando na escuridão. Os nossos passos se perdem, as nossas palavras se confundem, os nossos atos são escusos. Longe do amor é como se estivéssemos vivendo numa caverna escura e sombria, cercados de paredes escorregadias e pisando em chão lamacento. Mas quando o amor nos ilumina, quando ele irradia na nossa vida, os nossos olhos são abertos e os nossos passos são firmados. Todo o nosso interior é iluminado pelo amor. E o que é mais importante: passamos a enxergar as pessoas ao nosso redor. Tendo o fogo do amor brilhando em nós, iremos refletir esse brilho no mundo, transformando tudo a nossa volta.
            Como fogo que é, o amor consome. Quando uma faísca de fogo é acesa em uma pequena parte de uma mata seca, a tendência é, com a ajuda do vento, essa faísca se transformar em fogo e esse fogo consumir rapidamente tudo onde passar. Se não apagado a tempo, esse fogo pode causar grandes catástrofes. Mas não vamos pensar dessa forma com relação ao amor, porque do amor não pode vier catástrofe alguma, mas somente aquilo que é bom, perfeito e agradável. Mas não é mentira que, como o fogo, o amor consome. Ele consome tempo para se consolidar em nós; consome, às vezes, a nossa paciência; consome nossas reservas, nossas barricadas emocionais, nossas limitações. O mais importante de tudo: quando aceso em nós, o fogo do amor consome o ódio, a indiferença, a amargura, a arrogância, o preconceito, a inveja, a ganância, a discórdia e tantas outras ervas daminhas que habitam dentro de nós. O amor é fogo consumidor!
            Por queimar e consumir, o amor também apura. Quando eu era adolescente e morava na casa de um tio meu no interior, eu sempre o observava enquanto ele negociava ouro. Os garimpeiros traziam o ouro para ser vendido, ele pegava aquela poeira de ouro misturada à impurezas, colocava num recipiente, misturava mercúrio e depois, com um maçarico, queimava o mercúrio até evaporar, para que o ouro aparecesse separado da sujeira. É isso que o amor faz conosco. Como o fogo de um maçarico, ele nos pega e vai queimando o nosso ser até que fiquemos puros. Quanto mais quente fogo, mais seremos apurados. Podemos pensar naquelas pessoas que rejeitam o sofrimento, que acham que podem viver numa mar de rosas sem espinhos, passar pela vida sem lutas, sem provações. Sem o fogo apurador do amor, não crescemos, não nos tornamos pessoas melhores. O amor nos apura, nos separa das nossas impurezas e nos torna perfeitos, reluzentes. Sem esse fogo apurador do amor, estaremos sempre misturados às nossas mazelas existenciais. Quanto mais apurados, mais valiosos seremos.
            O fogo do amor que apura, que nos separa das nossas impurezas – e das impurezas do mundo – é o mesmo fogo que nos molda. Após ser apurado, o ouro ainda precisa ser moldado até se transformar num objeto de valor, algo bonito que encantará as pessoas. Nesse processo de moldura, o fogo tem um papel crucial. Muitas pessoa se deixam moldar por sentimentos destrutivos, pelo poder, por uma hedonista, pelos vícios, pelo consumismo, pelos modismos da sociedade, pelo seu próprio ego, pela violência. Mas quantos permitem que o amor seja o fogo a moldar a sua vida, o seu caráter? Quantos aceitam entrar na fornalha, enfrentar o martelo do ourives, suportar momentos de pressão, de luta em nome de algo maior? Somente o amor pode moldar o nosso caráter para transformá-lo em um jóia preciosa e reluzente. Somente moldados pelo amor poderemos amar a nós mesmos e ao nosso próximo. Moldados pelo amor, saberemos compreender as pessoas e o ser amados, aceitar suas limitações, perdoar e pedir perdão, dialogar e nos solidarizar com as agruras alheias.
            O fogo representa também um sinal. Se estamos perdidos numa ilha, nada melhor que acender uma grande fogueira para chamar a atenção de embarcações ou aviões que por ventura estejam passando por ali. Quando o fogo do amor está em nós ele deixa um sinal, algo que todas as pessoas olharão e verão sem sequer mostrarmos. O sinal do amor produz em nós: alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Estes frutos do sinal do amor são antagônicos àquilo que de mais perverso habita em nós, no nosso ser. Marcados pelo sinal do amor, nos tornamos novas pessoas, com padrões morais elevados, com sentimentos altruístas, solidários, dedicados, piedosos. Se quisermos saber se alguém nos ama de fato, basta buscarmos esses sinais. Se eles estão presentes, se o amor que diz sentir não vem acompanhado de vanglória, de mesquinhez e demagogia, então é amor verdadeiro.
            Bem, se o amor é fogo que arde, talvez devamos entender mais desse fogo do amor. E talvez eu deva discordar, com todo respeito, da palavra do poeta, porque quando o fogo do amor começa a arder, é impossível não enxergá-lo. Claro que vemos o fogo do amor, porque ele a tudo transforma. É tão fácil ver o amor agir quanto o ódio. Todavia, infelizmente muitas atitudes que deveriam ser fruto do fogo do amor nas pessoas, na verdade são atos de criaturas que acham que por praticar esses frutos, amam. Não praticamos as obras do amor para amar, mas amamos para praticar as obras do amor. Nas palavras do apóstolo Paulo: “E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1 Coríntios 13:3).
            É, pode ser que o fogo do nosso amor não seja natural, mas artificial.